Palavra

E assim fez-se o Universo: feito por números e palavras.
As tais gloriosas palavras, que tudo dizem e tudo sentem. A muleta do ser, que serve mais prejudicialmente do que outra coisa. Alguém dirá que as palavras são tudo, que sem palavras não nos saberíamos expressar, que as palavras são a forma de passar sabedoria, a forma de reavivar anos à muito perdidos, a forma de sabermos o que foi e o que será. As palavras são tudo. As palavras não são nada.
Este infame menosprezo pela própria nossa capacidade, ou será a sobrevalorização? Tentamos encontrar o Eu nas palavras, tentamos com que elas sejam explicitas, tentamos com que elas nos façam compreendidos. Um labrego tem uma forma de falar, um citadino tem alta, um nobre tem outra e todos ditam o mesmo infinito discurso para os peixes.

Uma palavra não é nada. É um aglomerado de letras. Podemos dar todo o significado do mundo a uma palavra, podemos fazer dessa palavra sagrada, podemos fazer dela o nosso Deus, mas no fim, havemos de a repetir tantas vezes que já não vai significar nada. Vemos um sitio e dizemos "Ali" e ali é aquele sítio. E voltamos a dizer ali, ali, ali, ali, ali, ali, até que ali já não é sítio nenhum. As palavras foram feitas para nos expressarmos. Mas já não se sabe o que elas significam.